terça-feira, 27 de março de 2012

A namorada e o trem.

"... Infelizmente minha namorada não aguentou o empurra-empurra e,  levada por uma daquelas ondas, soltou a minha mão e acabou se distanciando de mim. Eu desci do trem, ela não..."

                                                              
"Eu me pergunto: como cabem 8 pessoas por metro quadrado em trens? Parecem sardinhas em lata! O pior é que tem gente ainda querendo entrar..." Juvenal Mome
Lendo a afirmativa acima, postada em um grupo do Facebook, pelo meu amigo Juvenal Mome, me veio à memória uma história que ocorreu em Julho de 1974. Ao retratar a dura realidade dos trens, Juvenal me fez voltar no tempo... Quando eu morava em Osasco (1974) eu perdi uma namorada dentro do trem... Difícil de acreditar? Eu me explico: Estávamos indo eu e minha namorada, de Osasco para São Paulo de "subúrbio", esse era o nome dado aos trens que faziam esse trajeto.  Como sempre, naquele horário, o trem estava completamente lotado.  O trem parava em dezenas de estações, era um entra e sai enlouquecedor, um mar de gente, ondas que vinham e voltavam seguindo a maré de cada estação. Na estação em que tínhamos que descer, dezenas de pessoas tentavam entrar em nosso vagão, ao mesmo tempo em que nós e dezenas de outras pessoas queríamos sair... Fui tentando sair aos trancos e barrancos, empurrando e sendo empurrado. Tentando proteger a minha namorada, eu a coloquei junto às minhas costas, segurando-a forte com os nossos dedos entrelaçados em uma das mãos enquanto com a outra mão eu tentava abrir caminho. Infelizmente minha namorada não aguentou o empurra-empurra e,  levada por uma daquelas ondas, soltou a minha mão e acabou se distanciando de mim. Eu desci do trem, ela não... Tentei voltar, queria resgatá-la daquele mar bravio, mas era impossível. O espaço por onde saí estava fechado.  Em um primeiro momento por uma barreira de costas humanas,  depois pelas portas de aço do trem, que mais pareciam as portas de uma cela, que naquele momento trancafiavam minha doce namorada por toda a eternidade. Às vezes fico imaginando, como em um conto de fadas ao reverso, que ela nunca conseguiu sair daquele trem...  Desde esse dia, nós nunca mais nos vimos.  Nós começamos a flertar na Escola, nossas salas de aula eram de parede-meia. Ela era mais velha do que eu, frequentávamos anos diferentes, nos víamos e nos olhávamos no intervalo das aulas. Na verdade o namoro havia começado na noite anterior ao episódio aqui relatado, nem nos conhecíamos direito, era nosso primeiro (e último) encontro depois da Domingueira. Domingueira era o bailinho que acontecia no clube aos Domingos à tarde e onde se iniciaram centenas de romances juvenis. Aquela Domingueira aconteceu na última semana de aula. Naquela tarde de domingo eu havia prometido acompanhá-la até o trabalho no dia seguinte. Ela trabalhava em São Paulo, por isso pegamos o trem na hora do "rush" matinal. Aquela segunda-feira era o nosso primeiro dia de férias escolares e partimos enamorados para nosso passeio de trem. Passeio para mim, pois para ela e milhares de outras pessoas o trem fazia parte da rotina diária de cada um deles, o Calvário de muitos peregrinos.  Pouco tempo depois daquela triste segunda-feira, durante as férias ainda, eu me mudei para Campinas, voltei para a terra que nasci e nunca mais tive notícias dessa namorada. Nunca esquecerei essa história, mas não sei se por autopunição ou não, eu não consigo lembrar o nome dela.  Parafraseando Adoniran Barbosa, penso nela como Iracema: “... Iracema, o trem não teve curpa. Iracema, eu não tive curpa. Iracema, você não teve curpa. Iracema, o destino sorto as nossas mão...”.

2 comentários:

  1. É, Affonso! A gente passa por muitas que não se esquece. E, as vezes, é dificil de esquecer! Não digo que seja o caso. Eu vivenciei esse tipo de trem lotado durante anos - de 1980 à 1983. Lotado na maioria das vezes como sempre. Hoje ainda vivencio quando vou a São Paulo e ando de Metro.
    O que resulta é que fico imaginando quantos casos desse tipo acontecem nos trens em SP. Muitas histórias tristes e alegres.... Vou ver se me lembro de alguma e te conto.
    Eu já vi gente rindo, gente chorando, gente vivendo quer seja feia ou bonita.
    O que eu acho é que uma porta fechada é sempre cruel na maioria dos casos - quer tenha ou não tenha uma multidão em volta.

    PS: O trem que vivenciou a história eram os antigos Trens Japoneses, né?
    Juvenal Mome

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  2. Luis Fausto S.Ferreira28 de março de 2012 às 18:24

    Quantas estórias nossos trens guardam.Da minha infância, mais de uma dúzia delas. Os trens nos levavam e traziam, meu avô Fausto e eu, para São Paulo. Meus pais e irmãos para Santa Adélia.E até nos últimos dias da FEPASA, para Marília a trabalho.
    Não perdi uma namorada, mas todos perdemos muito.
    Espetáculo de crônica, meu amigo Affonso.
    Um abraço forte,sempre com saudade.
    Fausto

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